Refletindo sobre a obra “Profissão Professor”: contribuições de Antônio
Nóvoa
[1] Jamily
Charão Vargas, Licenciada em Pedagogia, Mestranda em
Educação pela UFSM.
Jamily Charão Vargas
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publicado em 01/10/2008
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Quando
pensamos a profissão docente, não conseguimos omitir a realização de
uma reflexão sobre vários assuntos, diversos conceitos e uma
complexidade de concepções do “ser professor” que carregamos ao
longo de nosso ofício docente. Assim, muitas questões permeiam a
nossa profissão, sendo importante refletir sobre a imagem e a função
do professor ao longo do tempo, e como elas se estabelecem hoje. Na
obra “Profissão Professor” de Antônio Nóvoa, encontramos pontos de
vistas de autores, oportunizando-nos uma reflexão sobre a situação
atual da profissão docente. Segundo Nóvoa (1999, p.10) “É verdade
que os professores estão presentes em todos os discursos sobre a
educação. Por uma ou por outra razão, fala-se sempre deles. Mas
muitas vezes está-lhes reservado o “lugar do morto[2]””.
Percebemos, assim, que ser professor requer uma busca constante da
identidade profissional, não aceitando passivamente os papéis que a
nós está instituído pelo sistema educativo. Desse modo, destaco a
relevância da leitura desta obra de Nóvoa (1999) para compreendermos
a situação atual da profissão docente, analisando e refletindo
frente à história da educação e ao lugar ocupado pela nossa
profissão ao longo do tempo.
No primeiro capítulo intitulado “O passado e o presente dos
professores”, o próprio Nóvoa saliente que na segunda metade do
século XVIII, na Europa, ocorreu a estatização do ensino e o
professor passou a ser laico e não mais religioso. Assim, buscou-se
esboçar um modelo para o professor, o qual tinha um perfil próximo
ao do padre. Os professores passaram a ter presença mais ativa e
intensa na educação, produzindo um “corpo de saberes e de técnicas[3]”
e um “conjunto de normas e valores[4]”.
O Estado instituiu os professores como um corpo profissional,
provocando a hierarquização, homogeneização e unificação dos
profissionais docentes, tornando-nos funcionários com ações de forte
intenção política, valorizando-nos devido à nossa relevância social.
Dessa forma, ocorreu a profissionalização do professor e o trabalho
docente passou a ser assunto de especialista, não mais sendo uma
atividade secundária. Nesse momento, também ocorreu transformação na
escola, que passou a ser a instituição de ascensão social.
No século XIX, segundo Nóvoa (1999), ocorreu a expansão da escola
pela grande procura da sociedade devido à crença na superioridade
social por meio desta instituição. Juntamente a este acontecimento,
ocorreu a institucionalização da formação específica e especializada
para o professor: as escolas normais, que consolidaram a
imagem e o estatuto do professor, mas também oportunizaram um maior
controle estatal. A partir da segunda metade do século XIX, a
profissão docente passou a ser marcada por ambigüidades, pois os
professores não são burgueses, não são do povo, não devem ser
intelectuais, devem ter instrução e relacionar-se com todos os
grupos sociais. Todas estas questões reforçam a feminização, o
isolamento social e a indefinição do estatuto da nossa profissão,
mas por outro lado também avigoram a solidariedade interna entre os
profissionais e a formação de uma identidade decente. No começo do
século XX iniciou-se um maior prestígio do professor devido às ações
das Associações Profissionais de Professores e à adesão a um
conjunto de normas e valores.
Apesar do prestígio da profissão docente permanecer
intacto e das sociedades modernas perceberem a importância de
investir na educação atualmente, Novoa (1999) salienta que os
professores não são valorizados de forma íntegra e digna: nosso
salário, muitas vezes, não serve nem para o sustento; nossa função é
múltipla; as regras para entrada no curso de formação de professores
são inadequadas; a formação inicial e continuada são, muitas vezes,
ineficazes. Para Nóvoa (1999) os professores, há muito tempo, vêm
sofrendo de uma situação de mal-estar na profissão, que causa
desmotivação pessoal com a docência, abandono, insatisfação,
indisposição, desinvestimento e ausência de reflexão crítica, entre
outros sintomas que demonstram uma autodepreciação do professor.
Esta situação abarca a crise da profissão docente, que vem sendo
bastante analisada e discutida pelos teóricos contemporâneos.
Torna-se importante pensarmos a profissão docente em
relação às ações educativas do professor e do seu trabalho
pedagógico. No capítulo II, “O educador e a acção sensata”,
Daniel Hameline destaca que agir é um processo que requer um
“desvendamento de nós”. Para Hameline (1999), não precisamos nem
devemos tentar fazer o máximo na educação, pois excelência é
diferente de maximização. Ele ressalta que os professores
“práticos”, que produzem teses a partir da análise das suas escolas,
suas práticas ou seus alunos, são questionados sobre a validade
deste trabalho. Porém, na maioria das vezes estes docentes são os
que mais se preocupam com a qualidade da educação de seus alunos. Há
professores que buscam “modelizar[5]”
suas práticas, o que empobrece suas ações, pois as padronizam de
forma sistemática e metódica. O ideal, segundo o autor, não é “modelizar”,
mas sim “modalizar[6]”
as práticas, pois assim enriquecem as suas ações através de várias
“modalidades”, ou várias maneiras de realizar o processo.
É importante todo o profissional da educação ter consciência sobre
as suas práticas para agir frente a elas. Isso permite a formação de
um conjunto de características específicas do ser professor, que
devem ser contextualizadas, abrangendo o pedagógico, o profissional
e o sócio-cultural. Assim, não é fácil definir o conceito de “ser
professor”, visto que a prática docente abrange essas diferentes
dimensões e é determinada por várias instâncias: o coletivo social
dos professores; o prestígio relativo da profissão; a posição social
do professor. No Capítulo III desta obra, intitulado “Consciência
e acção sobre a prática como libertação profissional dos
professores”, Gimeno Sacristán considera a definição cultural da
função do professor, determinada pelas necessidades sociais que a
educação deve dar resposta. Dessa forma, o autor destaca que o
debate social sobre a educação constrói diferentes exigências em
relação à função docente, pois a evolução em que a sociedade se
encontra acarreta cada vez mais atividades e responsabilidades a
serem cumpridas pela escola e mais aspirações educativas a serem
assumidas pelos professores.
Tudo isso ocasiona a indefinição da real função do professor, pois
as exigências frente à profissão abrangem aspectos de
ensino-aprendizagem, de cuidados à infância, de higiene, de saúde,
de administração escolar, de respeito e trabalho com os diferentes
contextos sociais, econômicos e culturais, bem como com as
diferentes estruturas familiares de hoje. Podemos considerar que os
professores, em certos momentos, assumem o papel de psicólogos,
médicos, enfermeiros, assistentes sociais, e mesmo de pai e mãe.
Assumir a profissão docente hoje é um desafio, pois além desta
indefinição em suas funções, Sacristán (1999) destaca que o
professor não detém a exclusividade na responsabilidade de suas
ações educativas, devido às influências políticas, econômicas,
culturais e à desprofissionalização do professorado.
Conforme Sacristán (1999, p. 68) “Os professores não produzem os
conhecimentos que são chamados a reproduzir nem determinam as
estratégias práticas de ação. Por isso, é muito importante analisar
o dignificado da prática educativa...” O autor prossegue colocando
que a prática educativa não se limita apenas às atividades dos
professores, pois está interligada e depende dos vários contextos em
que nos encontramos: há práticas de caráter antropológico, práticas
institucionalizadas e práticas concorrentes (que são os mecanismos
de supervisão). Esta diversidade de funções provoca a
superabundância de saberes docentes, pois cada tarefa exige
conhecimentos específicos, sendo necessária uma consciência
progressiva da prática, sem a desvalorização da teoria.
Todas as mudanças sociais ocorridas nos últimos tempos
também influenciam a vida pessoal e profissional dos professores,
colocando-os novos desafios. Estes são explorados no Capítulo IV,
“Mudanças sociais e função docente”, por José Esteve,
ressaltando que as mudanças justificam a tentativa de reforma do
ensino, pois embora a sociedade tenha sofrido tantas transformações,
nosso sistema educacional permanece igual. Há um desgaste da imagem
social do ensino e dos professores; com a passagem do sistema de
ensino de elite para o sistema de ensino de massa, aumentou-se a
quantidade de alunos, heterogeneizando as turmas; ensinar não é mais
fácil como antigamente. Assim, encontramo-nos num ceticismo em
relação à educação, pois a sociedade não acredita mais que esta pode
ser melhorada ou pode melhorar o nosso futuro.
A situação dos
professores perante a mudança social é comparável à de um grupo de
actores, vestidos com trajes de determinada época, a quem sem prévio
aviso de muda o cenário, em metade do palco, desenrolando um novo
pano de fundo, no cenário anterior. Uma nova encenação pós-moderna,
colorida e fluorescente, oculta a anterior, clássica e severa.
(Esteve, 1999, p.97)
Os professores sentem-se perdidos frente ao novo cenário da
educação e, as reações perante este desajuste, é o que conhecemos
por “mal-estar docente”, que vem sendo muito discutido por grandes
teóricos da contemporaneidade, pois pode ocasionar uma crise de
identidade nos professores. Nesse mal-estar docente, há diferentes
reações dos professores, apontadas por Esteve (1999), como:
desajustamento e insatisfação perante os problemas reais da prática;
pedidos de transferência para fugir das situações problemas;
inibição de envolvimento pessoal; desejo de abandono da profissão;
absentismo laboral; esgotamento; estresse; ansiedade;
autodepreciação; reações neuróticas; depressões. No que se refere à
formação dos professores perante todas estas transformações e os
problemas ocasionados por elas, é preciso identificarmos erros e
incorporarmos novos modelos na formação inicial para evitar o
aumento de profissionais da educação desajustados às demandas
sociais, bem como articularmos estruturas de apoio aos
professores.
No capítulo V, “Aspectos sociais da criatividade do
professor”, Peter Woods ressalta que cada situação de ensino é
única, devido ao uso da criatividade, que pode ser produto de uma
experimentação ou inesperada e repentina. Mas que, em ambas as
maneiras, a criatividade proporciona a capacidade de o professor
elaborar seu próprio trabalho e ter satisfação e realização pessoal
e profissional. A criatividade docente pode ser uma forma muito
eficaz para a libertação do profissional docente na
contemporaneidade, pois uma vez desenvolvida nos professores pode
trazer inovações, alargando fronteiras do convencional, introduzindo
ou combinando novos fatores na prática docente.
Acreditamos que é necessário refletirmos sobre o ofício
docente, colocando em pauta nesta reflexão o tempo de mudanças em
que estamos, ressaltando a fase da carreira em que o professor se
encontra, as relações entre os profissionais docentes e o percurso
profissional de cada professor. Isso é ressaltado por Maria Helena
Cavaco, no último capítulo desta obra, intitulado “Ofício do
professor: o tempo e as mudanças”
Se a escola se
organizar para acolher os novos docentes, abrindo o caminho para que
possam refletir e ultrapassar de forma pertinente e ajustada as suas
dificuldades, se assumir colectivamente a responsabilidade do seu
encaminhamento através de projetos de formação profissional, talvez
contribua para inverter, por essa via, a actual tendência para a
descrença generalizada que se associa à desvalorização social da
imagem do professor. (Cavaco, 1999, p.168)
As escolas, juntamente com as instituições de formação de
professores, têm grande poder para a transformação desta realidade
em que se encontra a profissão docente, pois a parceria destas duas
instâncias pode, sem dúvida, qualificar a formação do profissional
para uma educação mais adequada e pertinente à sociedade
contemporânea.
Resenha da
Obra:
NÓVOA, Antonio. Profissão professor. NÓVOA, A. (org.). Profissão
professor. 2 ed. Porto: Porto Editora, 1999.
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[2] O
autor recorre à imagem de bridge, explicando que esta
expressão refere-se ao ser que não pode interferir no jogo,
mas é obrigada a expor suas cartas em cima da mesa, onde
nenhuma jogada é feita sem atender suas cartas.
[3]
Organização de princípios e estratégias de ensino, quase
sempre produzidos no exterior do mundo dos professores.
[4]
Influenciados por crenças e atitudes morais e religiosas.
[5]
Expressão utilizada por Hameline (1999) para falar da
padronização a um tipo de prática.
[6]
Expressão que Hameline (1999) utiliza para falar da diversas
maneiras de proceder em nossas práticas.
texto disponivel em: http://www.partes.com.br/educacao/antonionovoa.asp#_ftn1
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